quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Liberdade Perdida



Durante toda sua vida o rapaz só conheceu a escravidão.
Sob o peso da canga e as dores do chicote, ele atravessou rios, campos e planícies, sempre puxando, junto com seus irmãos de infortúnio, uma grande e desconhecida efígie.
Sempre olhando para baixo, sem nunca encarar seus algozes, o rapaz não se importava com árvores, rochas ou animais, mesmo quando se tornavam obstáculos na longa e penosa caminhada, pois todos eram contornados no estalar do chicote.
Durante os curtos períodos de descanso, enquanto comia a insossa comida que lhes era dada, ele nunca ouvira falar que um grilhão havia se partido. Assim ele ignorava o significado de liberdade.
De sol a sol, caminhando e sofrendo, ele não tinha desejos.
Nem sonhos.
Nem esperança.
Mas um dia, enquanto olhava costumeiramente a vida passar nos grãos de areia sob seus pés, percebeu uma sombra que não conhecia.
Era grande e majestosa, com asas largas e um bico firme. E mesmo correndo o risco de ser açoitado, ele ergueu o rosto e viu uma grande águia cortando o céu.
E ele desejou ser aquele grande pássaro.
Sonhou com as nuvens e sentiu um pontada de esperança de um dia ser livre, mesmo não sabendo exatamente o que era aquilo.
Então ele ouviu um grilhão se partir em sua canga.
O verdugo mais próximo já erguia seu chicote de cinco pontas pronto para desferir uma sequência de golpes quando a grande águia atravessou velozmente seu caminho, em direção ao peito desnudo do rapaz recém-liberto.
Mas, para o espanto dele e de todos que acompanhavam atônitos a cena, a ave atravessou seu peito, sumindo no interior de seu corpo, enquanto uma aura incandescente o envolvia .
Aos poucos sua forma alterou-se, transformando-o em uma criatura meio-homem, meio-águia, ainda maior e mais majestosa que a ave anterior.
Com um poderoso rufar de asas que deslocou grandes massas de vento e areia, o rapaz-águia ganhou os céus, deixando para trás chicotes e correntes, algozes e escravos.
Sem nada ou ninguém que interferisse em seu caminho, atravessando nuvens e desfiladeiros, sobrevoando planaltos e planícies, ele voou durante dias seguidos, não se atrevendo a pousar em lugar nenhum, por medo que isso o levasse de volta a escravidão do solo.
Ele já se julgava o senhor absoluto dos céus, quando avistou com seu olhar apurado um pequeno pássaro que voava distraidamente.
Lançando-se como uma flecha, o rapaz-águia atingiu o dorso do passarinho com suas unhas afiadas. Mortalmente ferido, a pequena ave despencou em direção ao solo, piando chorosamente.
Soltando um guincho alto e agudo, o rapaz-águia voltou a sentir-se o soberano de todo o céu.
Mas algo aconteceu.
Mesmo batendo energicamente suas possantes asas, a criatura começou a perder altitude, precipitando-se em direção ao odiado solo.
Ricocheteando nas pedras de um precipício, a criatura estatelou-se na areia, reassumindo de imeadiato sua antiga forma humana.
Enquanto o rapaz se debatia, a águia começou a brotar de suas costas, até livrar-se por completo daquela malfadada miscigenação.
Tossindo e arfando e com um fio de sangue escorrendo do canto da boca, o rapaz levantou-se penosamente a tempo de ver a grande ave levantar voou, deixando-o sozinho com suas dores.
Ele então desejou novamente voltar aos céus, mas seu olhar foi desviado para pequenas e conhecidas formas que cambaleavam no horizonte, puxando uma enorme efígie.
Desde esse dia, caminhando e sofrendo, ele não teve mais sonhos.
Nem desejos.
Nem esperança.

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